Por: Elendrea Cavalcante
Com o foco de evidenciar o trabalho de profissionais e companhias que possuem iniciativas de impacto no ESG (sigla para Ambiental, Social e Governança), esta primeira entrevista do portal Rede ESG apresenta a gerente de Sustentabilidade do Mercado Livre no Brasil, Laura Motta. A companhia onde Laura atua é mundialmente conhecida, tendo surgido em 1999, em Buenos Aires, com a proposta de garantir que qualquer pessoa pudesse anunciar e vender seus próprios produtos em um único espaço – uma proposta de marketplace que cresceu em toda a América Latina e hoje é exemplo em ações ESG.
Com mais de 10 anos atuando na área de Sustentabilidade, Laura lidera iniciativas focadas em inclusão produtiva, sociobiodiversidade, negócios de impacto e consumo consciente. Traz na bagagem ainda amplo conhecimento sobre a realidade amazônica e a necessidade de um olhar diferenciado para a região. Tanto que Laura é frequentemente convidada a compartilhar os projetos e experiências do Mercado Livre em eventos em Manaus, que reúnem gestores e demais lideranças empresariais, além de atores e produtores locais, que atuam de maneira sustentável em prol da preservação do bioma.
Nesta entrevista, a gerente de sustentabilidade do Meli, como a companhia é conhecida, explica sobre o olhar ESG da empresa e os investimentos feitos por meio do ecommerce e da logística.
Confira a íntegra:
Rede ESG: Como e quando o Mercado Livre passou a ter a percepção sobre a importância de trabalhar e promover ações sustentáveis junto ao seu negócio?
Laura Motta: Propósito do Mercado Livre é democratizar o acesso ao comércio eletrônico, ao dinheiro e aos meios de pagamento na América Latina, equalizando oportunidades e contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico da América Latina, de forma que os principais impactos positivos da companhia são intrínsecos ao seu ecossistema de negócios. Hoje sabemos que 1,8 milhão de famílias têm em nosso e-commerce sua principal fonte de renda e que 50% dos nossos usuários tiveram acesso a crédito pela primeira vez por meio de Mercado Pago. Além disso, desde 2017, o Mercado Livre criou uma estratégia de sustentabilidade que busca potencializar esses impactos positivos a médio e longo prazos, ao mesmo tempo em que desenha e avança na sua estratégia para ter o menor impacto ambiental, no menor prazo possível.
Rede ESG: Quais são os maiores desafios enfrentados hoje pelo Mercado Livre em relação à sustentabilidade?
Laura Motta: O crescimento contínuo nos desafia a ganhar eficiência no consumo de energia, reduzir nossas emissões de carbono e a inovar na busca por soluções ambientais. Nesse sentido, temos buscado reduzir os impactos das nossas entregas, por meio do aumento da frota elétrica (especialmente na primeira e última milha, do uso de combustíveis alternativos (hoje temos 147 caminhões a GNV, e cerca de 14 deles rodam com biometano) e da promoção de outras soluções inovadoras ao longo de nossa cadeia de valor. No ano passado, chegamos a 2,8 mil carros elétricos na nossa frota, um aumento de 20% em relação ao mesmo período de 2023. No Brasil, são mais de 1,3 mil veículos, 30% a mais que no ano passado. Por meio desta frota, já foram realizadas 36 milhões de entregas de produtos na América Latina, 44% das quais ocorreram no Brasil. Reduzir o impacto ambiental é uma responsabilidade que desafia todo o setor de comércio, especialmente no que se refere à logística. Existem desafios estruturais que exigem um esforço conjunto da indústria para gerar a eficiência e a inovação necessárias para superar essas barreiras, por isso nos juntamos no ano passado à Aliança pela Mobilidade Sustentável, somando esforços com outros atores relevantes que atuam pela mobilidade sustentável.
Rede ESG: No processo de evolução com a sustentabilidade, o Mercado Livre ganhou recentemente um prêmio em ESG. Você poderia listar as ações de maior impacto hoje realizadas pela empresa nos três pilares ESG (Ambiental, Social e Governança)?
Laura Motta: Do ponto de vista ambiental, a estratégia está focada em mobilidade sustentável, na circularidade dos materiais e na gestão da energia. No Brasil, 70% do consumo de energia das nossas operações hoje são provenientes de fontes renováveis, considerando eólica, solar, PCH (pequenas centrais hidrelétricas) e biomassa. No âmbito social, eu destacaria a Seção de Produtos Sustentáveis do marketplace, que reúne produtos, empreendedores e marcas de impacto socioambiental positivo, a partir de uma curadoria especializada para facilitar o acesso a produtos com menor impacto ambiental ou impacto social positivo e o Programa Biomas a um Clique, que desde 2020 contribui para o fortalecimento de negócios da sociobiodiversidade, apoiando associações, cooperativas, pequenas e médias empresas na comercialização de produtos dos biomas brasileiros por meio da plataforma. São mais de 160 negócios (95 deles na Amazônia) que recebem capacitação, mentoria, benefícios e apoio logístico do Mercado Livre para que seus produtos cheguem a cada vez mais pessoas. Por meio da governança, trabalhamos por um ecossistema de empreendedorismo, investindo em transparência e na prestação de contas em produtos e serviços, com base no envolvimento direto da liderança – desde o Comitê Executivo até outros comitês -, aplicando nossas práticas focadas na ética empresarial e nas políticas de conduta. E garantindo a segurança cibernética e a privacidade dos dados, que estão no cerne dos nossos negócios.
Rede ESG: E sobre o “Programa Biomas a um Clique”? Os produtos ali colocados são compensados por outras vendas e ações no marketplace? Ou têm boa saída junto aos consumidores? Há interesse dos consumidores por estes produtos?
Laura Motta: Por meio do Programa Biomas a um Clique, já foram vendidos 100 mil produtos de diferentes categorias como alimentos, cosméticos, artesanato e outros, beneficiando indiretamente mais de 36 mil produtores de quatro biomas brasileiros. A demanda pelos produtos varia muito, de acordo com os diferentes usos e do quanto eles são conhecidos fora de suas regiões. Temos investido em diversas campanhas e experiências para que esses saberes e sabores sejam cada vez mais conhecidos em todo o território nacional. No último Estudo de Tendências de consumo online com impacto positivo que publicamos em outubro do ano passado, quando perguntamos aos compradores sustentáveis o que eles mais valorizam em um produto com impacto positivo, o aspecto “Proteção da biodiversidade (por exemplo, florestas, oceanos, animais)” é destacado no top 3 das categorias de Alimentação, Cuidados Pessoais e Moda, de forma que acreditamos que à medida que a agenda da socio bioeconomia ganha relevância, mais os consumidores tendem a buscar e valorizar esses produtos.O Biomas a um Clique contribui com o propósito do Mercado Livre de democratizar o comércio eletrônico e integra a nossa estratégia de sustentabilidade para apoiar a inclusão digital e o acesso ao mercado de empreendedores de impacto positivo. Temos boa projeção para que o programa cresça ainda mais em 2025.

Rede ESG: Como é a relação do Mercado Livre com a Amazônia e com o estado do Amazonas?
Laura Motta: Como parte do propósito de democratizar o acesso ao comércio eletrônico, atuamos para reduzir distâncias geográficas e econômicas, apoiando empreendedores a superarem barreiras e gargalos para a comercialização. Atualmente, um dos principais desafios da Amazônia brasileira está justamente em criar alternativas de renda para as 28 milhões de pessoas que vivem na região e ao mesmo tempo proteger a floresta, de forma que a companhia está investindo na regionalização da sua logística para garantir maior agilidade e eficiência nas entregas e impulsionando empreendedores locais por meio de programas como o Biomas a um Clique, cursos sobre vendas online, além do apoio a eventos relevantes para a economia local, como o TEDx Amazônia e o FIINSA, em Manaus, e o Festival de Parintins.
Rede ESG: Em relação à região Norte, no FIINSA, em outubro de 2024, em Manaus, você ressaltou a estratégia do Mercado Livre com as entregas na região. Gostaria que explicasse como esta logística funciona.
Laura Motta: O Mercado Livre tem fortalecido sua logística para atender a região Norte e os empreendedores locais. Com o apoio da nossa frota aérea, conseguimos garantir entregas entre Manaus e Guarulhos, com 5 frequências semanais de voos. Apesar dos desafios logísticos que ainda encontramos quando falamos de um país com dimensões continentais, como o Brasil, estamos constantemente avaliando novas oportunidades de expansão, ampliando o número de cidades com Agências Mercado Livre e sempre focados em melhorar a experiência de compra e apoiar o crescimento dos empreendedores locais.
Rede ESG: E como se garante a rentabilidade e sustentabilidade financeira nestas viagens?
Laura Motta: O Mercado Livre está investindo na regionalização para aproximar vendedores e consumidores em todo o Brasil, garantindo maior agilidade e eficiência nas entregas. Além de aprimorar a experiência de compra, essa estratégia fortalece o comércio eletrônico ao ampliar o acesso a produtos em regiões distantes dos grandes centros. Essas viagens permitem que o Mercado Livre amplie sua cobertura e otimize o tempo de entrega, sempre com foco em atender às necessidades regionais de forma personalizada.
Rede ESG: Você acredita que mais empresas devam privilegiar a região amazônica como foco de investimentos ambientais e sociais? Como grandes empresas podem ajudar a região, tão grande e com diferentes realidades econômicas, com produtores que dependem de apoio para progredir?
Laura Motta: A Amazônia reúne centenas de conhecimentos, ativos e pessoas capazes de contribuir significativamente para o desenvolvimento socioeconômico do país, de forma que as empresas que estiverem dispostas a atuar na região precisam construir estratégias a partir da potência do território e junto aos atores locais, evitando levar soluções prontas e fazer investimentos pontuais, como agora na COP 30, por exemplo, sem se comprometer a longo prazo.
Rede ESG: Quanto é o valor direcionado pela empresa para ações em ESG?
Laura Motta: Não abrimos valores de investimento neste sentido e entendemos que o principal aporte do Mercado Livre é justamente colocar o seu alcance e as soluções do ecossistema a serviço de pautas socioambientais. Podemos mencionar que em janeiro de 2021 emitimos nosso primeiro título sustentável no valor de US$ 400 milhões, com o objetivo de financiar iniciativas de triplo impacto que promovam o desenvolvimento sustentável do nosso negócio e da região.
Rede ESG: Você acredita que o Brasil ainda irá evoluir nos aspectos ESG?
Laura Motta: O Brasil já é visto como uma grande potência verde e, mais do que nunca, tem uma oportunidade única de liderar a agenda ambiental no cenário internacional. Acredito que o caminho para o futuro passa por aliar desenvolvimento econômico com conservação ambiental e justiça social, fortalecendo a (socio)bioeconomia. Assim, poderemos criar novos empregos e oportunidades e aumentar a nossa competitividade em setores cada vez mais fundamentais para a economia global e para os demais desafios que temos pela frente.
Rede ESG: Alguma consideração a fazer?
Laura Motta: Apenas enfatizo novamente que é muito importante que as discussões sobre os rumos da (socio)bioeconomia na Amazônia sejam protagonizadas pelos atores locais que já atuam de maneira sustentável em prol da geração de renda e da preservação do bioma.
